Meus Cumprimentos

É melhor atirar-se à luta em busca de dias melhores, mesmo correndo o risco de perder tudo, do que permanecer estático, como os pobres de espírito, que não lutam, mas também não vencem, que não conhecem a dor da derrota, nem a glória de ressurgir dos escombros. Esses pobres de espírito, ao final de sua jornada na Terra, não agradecem a Deus por terem vivido, mas desculpam-se perante Ele, por terem apenas passado pela vida...
Bob Marley

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Entendendo a Venezuela (8)

O que a Veja tentou

Navegando, daqui da Venezuela, nas caudalosas páginas do jornalismo eletrônico tupiniquim, penso que matei a charada sobre o que a Veja pretendeu com a reportagem de capa de sua última edição.

Vejam bem: num momento em que magistrados de alta “togagem” vêm sendo flagrados com a boca na botija, e às vésperas do julgamento pelo STF de matéria vital para uma mídia comprometida até as fuças com a tese do “mensalão”, a revistona publica matéria que diz que juízes que deliberarão sobre o recebimento ou não de denúncia contra quarenta pessoas ligadas ao governo têm medo de grampos feitos por uma tal “banda podre” da polícia controlada por esse mesmo governo.

Isso não diz nada a vocês? Vamos, pensem comigo: se eles (os juízes) têm medo de grampos telefônicos da polícia do Lula, é porque têm algo a esconder. Só teme ter suas conversas telefônicas ouvidas quem tem culpa no cartório. Dessa maneira, se os juízes não acatarem a denúncia contra os quarenta denunciados pelo procurador-geral da República, ficará parecendo que foi por medo de retaliação do governo, que estaria de posse de informações sobre má conduta deles.

O resumo da ópera é o de que a matéria da Veja, no entender dela, obrigaria os magistrados a darem uma demonstração pública de que não temem o governo. Essa demonstração seria a aceitação da denúncia do procurador-geral.

Que tal? Gostaram? É tão simples, não? Mas faltou a Veja combinar com os “russos”. Ou não faltou?
Entrei na “dança”

Ontem à noite presenciei e fui vítima do ódio crescente que está engolfando cada rua, cada cidade, cada Estado da Venezuela a cada minuto, cada dia mais, de uma maneira que, em 48 anos de vida, nunca vi coisa igual. Estou mortificado e ferido – textualmente. No fim da noite de ontem, ao presenciar um conflito decorrente de divisão política entre os venezuelanos, acabei sofrendo uma agressão física.

Voltando do cibercafé ao qual fui para escrever o post anterior a este, não sentia vontade de me trancafiar no quarto de hotel. Foi quando avistei uma lanchonete agradável, com mesas na calçada. Triste com a solidão desta viagem já excessivamente longa, decidi entrar para tomar alguma coisa e ler mais algumas páginas do excelente “Cabeças-de-planilha”, do nosso Luis Nassif, ao som das risadas, do burburinho da juventude que havia no estabelecimento.

Depois de uns minutos, com o consciente mergulhado no livro, meu inconsciente acusou o sumiço dos sons da garotada. Instintivamente, levantei os olhos em busca da razão. Demorei uns segundos para notar que foram três garotas morenas, na faixa dos 18 ou 20 anos, que fizeram a turma de rapazes e moças se calarem.

A razão da interrupção das vozes dos jovens que já estavam na lanchonete não tardou a se revelar. Uma das moças era uma morena muito bonita, de formas voluptuosas, seios grandes. Usava uma blusa de alcinhas de um vermelho sanguíneo com a foto de Hugo Chávez estampada.

As garotas ocuparam uma mesa em frente à minha e perpendicular à da turma que já estava no local, que se pôs a confabular baixinho. Eram dois rapazes e três moças. Uma delas, uma loirinha bonita, começou a falar com veemência e, a certa altura, foi possível escutá-la pronunciando um explosivo “perra chavista”, que significa nada mais, nada menos do que cadela chavista.

A moça da blusinha com a foto de Chávez levantou-se de uma forma que a cadeira de plástico em que estava, caiu para trás.

O diálogo abaixo, reproduzo de cabeça, mas deverá ser bastante fiel ao que ouvi.

-- ¿Que dijo, pendeja?

-- ¿Eres sorda, perra? Aquí no es sitio de chavistas. ¡Vete al hueco de donde has salido!

A garota da blusinha vermelha partiu para cima da outra que a insultou. Antes que chegasse perto, um rapagão de bermuda e sem camisa, que estava com a garota que proferiu o insulto, deteve a insultada segurando-a pelo braço. Esta, desferiu-lhe uma bofetada. Ele a empurrou e ela caiu, enquanto suas companheiras já se levantavam, bem como a outra turma toda.

Sem pensar – e deveria ter pensado -, coloquei-me entre os dois grupos pedindo calma. Um dos rapazes, o que empurrou a moça da blusinha vermelha, apontou-me o dedo avisando-me para não me meter. Tentei argumentar. Ele me empurrou. Coloquei a mão em seu ombro pedindo, de novo, para que se acalmasse. Ele me golpeou no estômago. Caí de joelhos. A confusão parou por instante, mas três rapazes, vindos de fora da lanchonete, invadiram o estabelecimento e atacaram os que atacaram as moças morenas e a mim – acho que as moças “chavistas” os esperavam.

Refugiei-me dentro da lanchonete enquanto as duas turmas se atacavam sem distinção de sexo. Rapazes agredindo moças, moças agredindo rapazes... Então os funcionários da lanchonete saíram para tentar controlar o conflito. Depois de vários sopapos de parte a parte, com a intervenção dos funcionários todos se acalmaram e acabaram indo embora, enquanto se insultavam mutuamente. Ninguém pagou conta nenhuma.

Quando cheguei ao hotel, liguei a tevê para tentar tirar o pensamento da experiência dantesca por que havia passado. O que apareceu na tela foi aquele programa que mencionei anteriormente, da tevê estatal Venezolana de Televisión, o “La Hojilla”. Passava justamente uma reportagem sobre uma marcha de antichavistas que aconteceu no sábado e que repórteres da tevê chavista cobriam. De repente, diante das perguntas impertinentes que esses repórteres faziam aos manifestantes, começa uma agressão. Desliguei a tevê.

Estou farto da Venezuela. Há tanto ódio aqui que quase é possível tocá-lo. E o pior é que posso garantir-lhes que o Brasil está trilhando o mesmo caminho. Os discursos de contrários e favoráveis ao governo são os mesmos. A intolerância é a mesma. De ambas as partes. E a mídia instigando a intolerância e o preconceito, é a mesma.

Que Deus nos Ajude.
Escrito por Eduardo Guimarães dia 22/08/2007, no seu blog http://edu.guim.blog.uol.com.br

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