Meus Cumprimentos

É melhor atirar-se à luta em busca de dias melhores, mesmo correndo o risco de perder tudo, do que permanecer estático, como os pobres de espírito, que não lutam, mas também não vencem, que não conhecem a dor da derrota, nem a glória de ressurgir dos escombros. Esses pobres de espírito, ao final de sua jornada na Terra, não agradecem a Deus por terem vivido, mas desculpam-se perante Ele, por terem apenas passado pela vida...
Bob Marley

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Entendendo a Venezuela (4)

"Los cerros contestarán"


Viajei à Venezuela levando na bagagem mental uma pergunta que me permitiria entender por que o país se dividiu politicamente (em partes desiguais) de maneira tão visceral. A pergunta, fiz a pelo menos umas duas dezenas de pessoas, entre as quais as que já citei em textos anteriores, quais sejam, o motorista de táxi que me trouxe do aeroporto de Caracas ao hotel em que me hospedei, um engenheiro que conheci no vôo entre Caracas e Barquisimeto, um dos recepcionistas do hotel em que estou hospedado, o dono de uma banca de jornal em frente ao hotel, vários clientes, seus empregados e todos aqueles com os quais tive oportunidade de tocar num assunto (política) que apaixona, divide e, por vezes, enfurece os venezuelanos.

Trata-se de uma pergunta muito simples, mas, a despeito de sua simplicidade, até agora ninguém ma respondeu satisfatoriamente. Qual é essa pergunta? É a seguinte:

O que mudou em sua vida, para melhor ou para pior, depois que Chávez assumiu o poder?

Deveria ser simples responder a uma questão como essa. Quem apóia ou repudia um governo deve ter, na ponta da língua, os motivos para tanto. A despeito disso, só o que obtive foram evasivas e frases feitas. Isso se explica, talvez, pelo fato, que já relatei, de que, até ontem à noite, não havia conseguido localizar um único chavista convicto. Quem mais se aproximou de tal foi o diretor da primeira empresa que visitei na Venezuela, Alfredo, que, apesar de não ser chavista, de não ter votado por Chávez, não encampa a paranóia dos que repudiam o governo venezuelano e, sobretudo, seu titular.

Deram-me razões políticas para detestarem Chávez. Deram-me medo de que ele converta a Venezuela numa grande Cuba. Deram-me raiva da língua ferina do presidente. Pessoas que estão longe de ser elite, pois são de classe média baixa, deram-me, até, razões de seus patrões para não gostarem de Chávez. Imaginem que, na quarta-feira, visitei uma empresa na cidade de Valencia, a três horas de ônibus de Caracas. Depois da reunião, o gerente de compras daquela empresa me deu carona até o terminal rodoviário. No caminho, perguntei a ele sobre o governo, ouvi que o detestava e, então, perguntei se nem uma medida como a redução, de oito para seis horas diárias, da jornada de trabalho, o havia agradado, pois ele trabalharia menos ganhando o mesmo salário. O que ouvi? Preocupação do sujeito com o bolso de seu patrão, que é dono da única concessionária Mercedes Benz da cidade, e que, como constatei, ganha dinheiro a rodo.

Mas tudo mudou na noite de ontem.

Como lhes disse, pretendo aproveitar o fim de semana para localizar os que apóiam o governo Chávez. Pretendo ouvir essa parcela majoritária dos venezuelanos que elegeu, reelegeu, re-reelegeu e re-re-reelegeu o presidente Venezuelano nos últimos oito anos. E, como também já havia dito, fui informado, pelos anti-Chávez com quem venho conversando, que essas pessoas vivem nos morros que circundam Caracas. Aliás, segundo novas informações que obtive, pelo menos 80% dos caraquenhos vivem na miríade de morros que abraça a capital venezuelana. São morros como Petare, El Valle, 23 de enero, Catia e Pro-Patria, entre muitos outros.

Fui alertado – e comentei isso com vocês – de que é perigoso ir aos morros caraquenhos. Seria, mais ou menos, como um turista estrangeiro subir sozinho ao Complexo do Alemão, no Rio.

Nem Jesus Cristo seria capaz de me fazer – justo eu – vir à Venezuela e não ouvir o que tem a dizer o povo, o povo verdadeiro, aquele que vive na América Latina real, que sofre toda sorte de privações, humilhações, carências imensuráveis e que é tão cruelmente explorado e subjugado por uma elitezinha malvada, egoísta, arrogante. Contudo, é preocupante um estrangeiro, alguém que a nacionalidade diferente salta aos olhos, embrenhar-se em bairros pobres e violentos da periferia de uma grande cidade do Terceiro Mundo. Em vista disso, passei o dia de ontem preocupado em como fazer a minha “reportagem” de forma responsável, ou seja, com um mínimo de segurança.

A sorte me sorriu. Como sou alguém dado a um certo misticismo, acredito que, talvez, o destino queira que eu obtenha o que busco, a fim de levar ao nosso país informações que lhe são sonegadas por seus meios de comunicação, de forma que, num trabalho de formiginha, eu possa contribuir para a tão necessária integração latino-americana. O que aconteceu foi que, entabulando a mesma conversa sobre o governo com o recepcionista do hotel que faria o plantão na noite de ontem, achei o primeiro cidadão venezuelano que apóia o governo.

Henry é um homem de uns 45 anos, de olhar severo, tem pele escura, é calvo, usa um cavanhaque ralo, pesa uns 60 quilos e não mede mais do que 1,60 m. Quando lhe disse que, até aquele momento, não havia encontrado um só apoiador de Chávez, perguntou-me por que queria encontrar um. Expliquei-lhe sobre meu blog, sobre minhas convicções. Seus olhos brilharam. Perguntou-me, então, a que partes eu estava indo para não encontrar nenhum dos muitos que apóiam o que chamou de “o processo”. Ao saber da natureza de minha viagem ao seu país, disse-me o que eu já sabia, que os que aprovam o governo não seriam encontrados na cidade baixa, apesar de muitos deles trabalharem nela, pois é comum, neste país, que os patrões demitam chavistas que manifestam com freqüência suas convicções políticas. Assim sendo, muitos deles não assumem tais convicções.

O homem, apesar de não ser militante de partido político, mostrou-se impressionantemente politizado para um simples recepcionista de hotel. Fala bem, é objetivo e soube responder à pergunta que, até então, ninguém havia me respondido. Revelou que o que mudou em sua vida, por exemplo, é que ele, depois de passar décadas com os dentes apodrecendo, hoje ostenta uma saudável dentição porque uma das missões de Chávez disponibiliza à comunidade em que vive nada mais, nada menos do que oito dentistas. Exibiu, sorridente, sua dentição impecável enquanto me contava de como está, depois de uma vida inteira, finalmente conseguindo ampliar a casa em que vive com sua família, tudo graças a subvenções do governo federal.

Mas então, Henry, por que todas essas pessoas de classe média baixa, com as quais conversei, não estão satisfeitas? Diante de pergunta tão intrigante e relevante, Henry me propôs o que eu já ia lhe pedir:

-- Hagamos lo siguiente, señor Guimarães : ¿que le parece si lo invito a conocer mi barrio, a hablar con la gente y, después, lo invito a un almuerzo en mi casa? Ahí, vas a saber lo que pasa, por que algunos no valoran lo que hace el gobierno. Yo lo llevo a mi casa, lo conduzco a hablar con la gente, le presento amigos, parientes, lo llevo a una misión de Chávez y le voy a probar que millones de venezolanos matan o mueren por el sin pertenecer a ningún partido, solamente por gratitud por todo lo que el ha hecho por este pueblo, que esos que insultan al presidente nunca lo hicieran cuando gobernaran.

Perguntei a Henry sobre segurança. Ele me disse que falta de segurança há em toda parte, mas que ele não me deixaria só nem por um minuto e que morreria antes que deixasse me acontecer alguma coisa, ainda mais sendo eu alguém que se dispõe a misturar-se com sua gente para levar a um país “hermano” a verdade sobre a Venezuela.

Devo lhes dizer que fiquei emocionado. Com a voz embargada, com os olhos úmidos, aceitei a oferta. Amanhã, domingo, às sete da manhã, quando terminar o turno de Henry na portaria do hotel, tomaremos o metrô, depois o que ele disse ser um “jipe” coletivo e subiremos ao morro Pro-Patria, onde o recepcionista vive. E irei sem medo, pois estou obedecendo minha consciência, meus princípios cristãos, munido da melhor das intenções, impulsionado por este desejo ardente, que me consome, de contribuir, de fazer minha parte para que esta parte do mundo, um dia, torne-se menos desumana, menos injusta, mais civilizada.

O morro, o “cerro” Pro-Patria, pobre, carente, humilde, responderá à simples pergunta que trouxe à Venezuela e que nenhum dos “bem informados” e “esclarecidos” anti-chavistas soube responder.



Escrito por Eduardo Guimarães dia 18/08/2007, no seu blog http://edu.guim.blog.uol.com.br/

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