Meus Cumprimentos

É melhor atirar-se à luta em busca de dias melhores, mesmo correndo o risco de perder tudo, do que permanecer estático, como os pobres de espírito, que não lutam, mas também não vencem, que não conhecem a dor da derrota, nem a glória de ressurgir dos escombros. Esses pobres de espírito, ao final de sua jornada na Terra, não agradecem a Deus por terem vivido, mas desculpam-se perante Ele, por terem apenas passado pela vida...
Bob Marley

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

NOVO BLOG

Mudei o endereço deste blog.

Agora é Http://despertaravida.blogspot.com

Convido vocês. Não tem cafezinho, mas espero que gostem.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Entendendo a Venezuela (10)

Para ler todos os posts na seqüência correta, vá até o início da página onde tem o número (1) e siga a ordem crescente.
Venezuela concluída

Como o leitor Nelson Santos, engenheiro de Cubatão (SP), anteviu, eu não poderia deixar de escrever minha conclusão formal e final sobre tudo que experimentei nas duas semanas durante as quais permaneci na Venezuela.

Essa conclusão, no entanto, a chamei de final, porque encerra um processo que desencadeei quando deixei o Brasil, um processo de, viajando a terras venezuelanas, investigar todas as verdades que pudesse sobre o que chavistas e antichavistas pensam do governo, sobre que proporções cada grupo tem dentro do espectro populacional do país e sobre se a natureza do regime bolivariano é realmente a de uma ditadura que restringe a liberdade de expressão, conforme vem dizendo a imprensa brasileira.

Primeiro, é preciso deixar claro que a maior certeza que trouxe da Venezuela é a de que certezas absolutas são difíceis de ser extraídas por qualquer pessoa que, tendo visitado o país, pretenda ser honesta ao discorrer sobre ele.

A Venezuela é um país em profunda mutação. Goste-se ou não de Chávez, aprove-se ou não os seus métodos, creio que até seus inimigos mais ferrenhos, se forem honestos, concordarão que o país vive uma experiência totalmente nova na América Latina e no mundo, pois o socialismo do século XXI congrega elementos do capitalismo e conceitos do socialismo, temperados com uma chuva de dólares gerada pelas receitas do petróleo, por um aquecimento intensivo da economia e por um ainda insipiente – porém contínuo e decidido - processo de industrialização.

Com efeito, julgo que logrei informar fatos concretos sobre o país vizinho. E, assim sendo, juntar aqui todos esses fatos será a forma mais coerente de começar a concluir alguma coisa. Já, dizer o que penso sobre o que vi, parece-me importante para o leitor, porque quem esteve lá fui eu e a visão de quem vivenciou qualquer coisa sempre suplantará, de alguma maneira, a de quem não vivenciou.

Os fatos concretos, são os seguintes: 1. Não são apenas os ricos que sentem ojeriza por Hugo Chávez e por sua revolução. As classes média e média baixa também congregam muitos antichavistas.
2. Não são só os pobres que apóiam Chávez e seu “processo”. Há pessoas de todas as classes que o apóiam, mas entre os mais ricos esse apoio é inferior ao repúdio.
3. É fato que, no conjunto da população, o apoio a Chávez e à sua revolução suplanta o repúdio, pois a população mais pobre que apóia é significativamente maior do que a mais rica que repudia.
4. É fato que Chávez está se valendo da hegemonia que tem na propositura e na aprovação de leis para implementar dispositivos legais e constitucionais que lhe permitirão ficar no poder enquanto a maioria dos venezuelanos assim desejar.
5. É fato que Chávez embutiu na proposta de reforma constitucional uma “armadilha” para os venezuelanos, pois terão que aprová-la ou rejeitá-la integralmente e, devido a que oferece “bônus” altamente atrativos para a população, tais como, por exemplo, a redução da jornada de trabalho de oito para seis horas diárias, parece difícil que os venezuelanos desperdicem tal chance de melhorarem de vida no curto prazo só para impedirem que Chávez se apresente a eles para reeleição quantas vezes quiser.
6. Chávez vem beneficiando os mais pobres por meio de programas sociais que, alguns, precisam ser reconhecidos como magníficos, como o programa que permitiu à Venezuela ser declarada pela ONU território livre de analfabetismo, ou os que estão permitindo à população estudar e ter acesso a saúde pública de qualidade.
7. Os antecessores de Chávez não conseguem derrotá-lo porque é voz corrente entre a maioria da população que, quando esses antecessores – que hoje são oposicionistas - estiveram no poder, não fizeram pelos mais pobres uma fração do que Chávez está fazendo.

8. A Venezuela, de forma alguma, é uma ditadura.

9. Na Venezuela há total liberdade de expressão.

10. O Estado venezuelano faz uso de concessões públicas de rádio e tevê para defender-se da oposição e da mídia privada (que é praticamente toda oposicionista) e para atacá-las.

11. Empresas privadas e oposição fazem uso de concessões públicas de rádio e tevê para defenderem-se de Chávez e para atacá-lo.

12. Chávez obriga parte – e somente uma parte – do funcionalismo público a participar de marchas de apoio a ele.

13. A oposição, onde é governo, faz o mesmo.

14. A oposição e a mídia venezuelanas mentem compulsivamente contra Chávez, o que torna impossível saber quando dizem a verdade e quando mentem.

15. A mídia privada venezuelana tomou da oposição a primazia de se opor a Chávez.

16. A violência política e a violência criminosa explodem na Venezuela.

17. As re-estatizações de empresas de energia elétrica e de telefonia fizeram despencar o custo desses serviços para os venezuelanos.

18. O salário mínimo sobe fortemente e acima da inflação, que está sendo controlada.

19. Hoje, a Venezuela, diferentemente do que ocorria antes de Chávez, lucra muito mais com petróleo, independentemente da alta do preço no mercado internacional, porque o país parou de furar os acordos de preço da Opep vendendo petróleo subsidiado aos EUA.

20. Chávez gasta dinheiro do país para ajudar regimes de outros países que lhe são simpáticos valendo-se da hegemonia que tem no Congresso.

21. Quem permitiu que os partidos ligados a Chávez assumissem a hegemonia no Congresso venezuelano foi a oposição, por ter tentado deslegitimar um processo eleitoral que o mundo inteiro considerou legítimo com base nas legiões de observadores internacionais enviados para fiscalizar as eleições.

22. A oposição provocou grave crise na economia a partir do final de 2004 e durante parte de 2005 por não ter aceitado o resultado do referendo revogatório que conseguiu aprovar para tirar Chávez do poder. Essa crise foi provocada por meio de paralisação da principal – e praticamente única – fonte de divisas do país, a estatal de petróleo PDVSA.

23. A centralização do câmbio, implementada à época da greve na PDVSA, teve que ser feita para impedir que o país perdesse todas as suas reservas cambiais em questão de semanas, dada a fuga de dólares que se estabeleceu naquele ano em razão de uma greve exclusivamente política.

24. Num país essencialmente importador de quase todos os produtos industrializados que consome, Chávez usa a centralização do câmbio para obrigar o empresariado a respeitar, em cada detalhe, todos os direitos trabalhistas, e a cumprir em dia com suas obrigações fiscais. Acredito que surgirão outros fatos dos quais não me lembrei ao construir este texto. Finalmente, minha opinião sobre a Venezuela é a de que Chávez assumiu a missão – e o risco – de quebrar os ovos para tentar fazer a omelete, e esta seria um país socialmente justo. Contudo, o presidente está fazendo isso por meios perigosos, que podem provocar até derramamento de sangue. O risco é calculado e a aposta é muito, muito alta. Todavia, suspeito de que essa aposta todos os países latino-americanos terão que fazer em algum momento, cedo ou tarde.
Escrito por Eduardo Guimarães dia 24/082007, no seu blog http://edu.guim.blog.uol.com.br

Entendendo a Venezuela (9)

Onde mora o perigo

Uma leitora, que se identificou simplesmente como Adriana, do Rio de Janeiro, fez uma observação que considerei extremamente arguta e sobre a qual nem eu, protagonista do assunto que ela comentou, havia refletido.

Adriana bem observou que eu havia manifestado medo de subir aos morros de Caracas para conhecer a realidade da maioria dos caraquenhos que vive nesses guetos e que apóia o governo de Hugo Chávez. É fato. Meu medo decorria do risco que ir a favelas representa, sobretudo para estrangeiros – e, na Venezuela, é isso que sou. Contudo, foi na parte rica da cidade que sofri dano, uma agressão física, e por parte de um jovem da elite.

No morro Propatria, naquele lugar miserável, sujo, cheio de gente supostamente sem educação, sem “preparo”, fui recebido com respeito, com reverência mesmo, e em nenhum momento me senti ameaçado. Vejam, então, onde é que mora o perigo. Ele mora entre aqueles que pensam que o mundo lhes pertence, pois cresceram sem passar privações, sem que suas famílias lhes ensinassem a respeitar os diferentes e os contrários.

Aliás, falando em perigo, ontem ocorreu mais um caso de violência aqui na Venezuela. Um deputado chavista compareceu a uma audiência num tribunal por conta de alguma acusação a que responde e houve um choque entre seus simpatizantes e uma equipe de reportagem da RCTV.

Neste país, violência física por causa de política está se tornando cada vez mais freqüente. Claro que há violência no Brasil. Muita. Só que essa violência ocorre por todos os motivos, mas dificilmente ocorre por questões políticas. E acho muito mais preocupante quando as pessoas se agridem fisicamente por causa de política. Aí, a violência não é caso de polícia e, sim, de exército(s). Violência e política, com efeito, são ingredientes das guerras civis.

Vejam só os bordões de cada facção política venezuelana:

· Chavistas: “Socialismo, Pátria ou Morte!”

· Antichavistas: “Guerra Civil Já!”

Dá medo, não?

*

Graças a Deus, gente, em algumas horas embarco para o Brasil, de maneira que, das 21 horas de hoje até amanhã à tarde, não terei como liberar comentários.
Escrito por Eduardo Guimarães no dia 23/08/2007, no seu blog http://edu.guim.blog.uol.com.br/

Entendendo a Venezuela (8)

O que a Veja tentou

Navegando, daqui da Venezuela, nas caudalosas páginas do jornalismo eletrônico tupiniquim, penso que matei a charada sobre o que a Veja pretendeu com a reportagem de capa de sua última edição.

Vejam bem: num momento em que magistrados de alta “togagem” vêm sendo flagrados com a boca na botija, e às vésperas do julgamento pelo STF de matéria vital para uma mídia comprometida até as fuças com a tese do “mensalão”, a revistona publica matéria que diz que juízes que deliberarão sobre o recebimento ou não de denúncia contra quarenta pessoas ligadas ao governo têm medo de grampos feitos por uma tal “banda podre” da polícia controlada por esse mesmo governo.

Isso não diz nada a vocês? Vamos, pensem comigo: se eles (os juízes) têm medo de grampos telefônicos da polícia do Lula, é porque têm algo a esconder. Só teme ter suas conversas telefônicas ouvidas quem tem culpa no cartório. Dessa maneira, se os juízes não acatarem a denúncia contra os quarenta denunciados pelo procurador-geral da República, ficará parecendo que foi por medo de retaliação do governo, que estaria de posse de informações sobre má conduta deles.

O resumo da ópera é o de que a matéria da Veja, no entender dela, obrigaria os magistrados a darem uma demonstração pública de que não temem o governo. Essa demonstração seria a aceitação da denúncia do procurador-geral.

Que tal? Gostaram? É tão simples, não? Mas faltou a Veja combinar com os “russos”. Ou não faltou?
Entrei na “dança”

Ontem à noite presenciei e fui vítima do ódio crescente que está engolfando cada rua, cada cidade, cada Estado da Venezuela a cada minuto, cada dia mais, de uma maneira que, em 48 anos de vida, nunca vi coisa igual. Estou mortificado e ferido – textualmente. No fim da noite de ontem, ao presenciar um conflito decorrente de divisão política entre os venezuelanos, acabei sofrendo uma agressão física.

Voltando do cibercafé ao qual fui para escrever o post anterior a este, não sentia vontade de me trancafiar no quarto de hotel. Foi quando avistei uma lanchonete agradável, com mesas na calçada. Triste com a solidão desta viagem já excessivamente longa, decidi entrar para tomar alguma coisa e ler mais algumas páginas do excelente “Cabeças-de-planilha”, do nosso Luis Nassif, ao som das risadas, do burburinho da juventude que havia no estabelecimento.

Depois de uns minutos, com o consciente mergulhado no livro, meu inconsciente acusou o sumiço dos sons da garotada. Instintivamente, levantei os olhos em busca da razão. Demorei uns segundos para notar que foram três garotas morenas, na faixa dos 18 ou 20 anos, que fizeram a turma de rapazes e moças se calarem.

A razão da interrupção das vozes dos jovens que já estavam na lanchonete não tardou a se revelar. Uma das moças era uma morena muito bonita, de formas voluptuosas, seios grandes. Usava uma blusa de alcinhas de um vermelho sanguíneo com a foto de Hugo Chávez estampada.

As garotas ocuparam uma mesa em frente à minha e perpendicular à da turma que já estava no local, que se pôs a confabular baixinho. Eram dois rapazes e três moças. Uma delas, uma loirinha bonita, começou a falar com veemência e, a certa altura, foi possível escutá-la pronunciando um explosivo “perra chavista”, que significa nada mais, nada menos do que cadela chavista.

A moça da blusinha com a foto de Chávez levantou-se de uma forma que a cadeira de plástico em que estava, caiu para trás.

O diálogo abaixo, reproduzo de cabeça, mas deverá ser bastante fiel ao que ouvi.

-- ¿Que dijo, pendeja?

-- ¿Eres sorda, perra? Aquí no es sitio de chavistas. ¡Vete al hueco de donde has salido!

A garota da blusinha vermelha partiu para cima da outra que a insultou. Antes que chegasse perto, um rapagão de bermuda e sem camisa, que estava com a garota que proferiu o insulto, deteve a insultada segurando-a pelo braço. Esta, desferiu-lhe uma bofetada. Ele a empurrou e ela caiu, enquanto suas companheiras já se levantavam, bem como a outra turma toda.

Sem pensar – e deveria ter pensado -, coloquei-me entre os dois grupos pedindo calma. Um dos rapazes, o que empurrou a moça da blusinha vermelha, apontou-me o dedo avisando-me para não me meter. Tentei argumentar. Ele me empurrou. Coloquei a mão em seu ombro pedindo, de novo, para que se acalmasse. Ele me golpeou no estômago. Caí de joelhos. A confusão parou por instante, mas três rapazes, vindos de fora da lanchonete, invadiram o estabelecimento e atacaram os que atacaram as moças morenas e a mim – acho que as moças “chavistas” os esperavam.

Refugiei-me dentro da lanchonete enquanto as duas turmas se atacavam sem distinção de sexo. Rapazes agredindo moças, moças agredindo rapazes... Então os funcionários da lanchonete saíram para tentar controlar o conflito. Depois de vários sopapos de parte a parte, com a intervenção dos funcionários todos se acalmaram e acabaram indo embora, enquanto se insultavam mutuamente. Ninguém pagou conta nenhuma.

Quando cheguei ao hotel, liguei a tevê para tentar tirar o pensamento da experiência dantesca por que havia passado. O que apareceu na tela foi aquele programa que mencionei anteriormente, da tevê estatal Venezolana de Televisión, o “La Hojilla”. Passava justamente uma reportagem sobre uma marcha de antichavistas que aconteceu no sábado e que repórteres da tevê chavista cobriam. De repente, diante das perguntas impertinentes que esses repórteres faziam aos manifestantes, começa uma agressão. Desliguei a tevê.

Estou farto da Venezuela. Há tanto ódio aqui que quase é possível tocá-lo. E o pior é que posso garantir-lhes que o Brasil está trilhando o mesmo caminho. Os discursos de contrários e favoráveis ao governo são os mesmos. A intolerância é a mesma. De ambas as partes. E a mídia instigando a intolerância e o preconceito, é a mesma.

Que Deus nos Ajude.
Escrito por Eduardo Guimarães dia 22/08/2007, no seu blog http://edu.guim.blog.uol.com.br

Entendendo a Venezuela (7)

A guerra das tevês

Num país sul-americano, numa emissora de tevê cujo nome leva o substantivo masculino “globo”, começa mais um telejornal de fim de noite. Os “âncoras” são um casal bem apessoado, uma mulher e um homem bonitos e elegantes. Eles anunciam mais um escândalo que envolveria o governo federal. “Por enquanto”, já haveria indícios disto ou daquilo. Depois da chamada inicial, vem uma reportagem que tenta convencer o telespectador da tese da emissora sobre corrupção no governo. Não há provas, mas há “indícios”, que se bastam. Em seguida, aparece um senhor de meia idade verbalizando um editorial no qual faz violentos ataques ao governo e pede ao telespectador que se revolte.

Se você pensou que eu estava me referindo à Rede Globo, do Brasil, e ao governo Lula, enganou-se. Trata-se da emissora venezuelana “Globovisión” e do governo Hugo Chávez.

O programa foi na semana passada. O escândalo noticiado envolve um alto funcionário da estatal de petróleo venezuelana, a PDVSA, e uma maleta contendo dólares não declarados às autoridades aduaneiras da Argentina durante viagem àquele país de um obscuro “empresário” venezuelano residente nos Estados Unidos. As suspeitas da grande mídia privada venezuelana, a exemplo do que acontece com a brasileira, automaticamente transformaram-se em “fatos”.


Nelson Mezherane, dono da Globovisión

Logotipo da Globovisión


Como estou na Venezuela à trabalho no momento em que escrevo isto, uso as noites chatas neste país para conferir, in loco, como funcionam a tal “ditadura” de Hugo Chávez e o “cerceamento da liberdade de imprensa” de que acusam o presidente.

Marcel Granier, dono da RCTV

Mais cedo, assisto, na mesma Globovisión, ao programa “Alo Ciudadano”, sobre política, apresentado por um sujeito debochado chamado Leopoldo Castillo. Ele trata do mais recente cavalo-de-batalha da mídia privada venezuelana, ao qual aludi acima. Ele chega a telefonar para a casa do funcionário do governo envolvido no escândalo. Uma mulher atende. Quando o apresentador do programa se identifica, ela desliga. Ele liga de novo, de novo e de novo... Ô ditadura mansinha essa!

Leopoldo Castillo – “Alo Ciudadano”

A noite vai passando e vou zapeando entre os canais de tevê venezuelanos. Na RCTV, agora transmitida por cabo, outro programa sobre política, o “La Entrevista”, apresentado por Miguel Ángel Rodriguez. Ele fala sobre a reforma constitucional proposta por Chávez ao Congresso Venezuelano há alguns dias. Afirma que, se for aprovada, o presidente irá desapropriar os bens das pessoas - os carros, as casas, as contas bancárias - e poderá dispor até de suas próprias vidas. Fica, para o telespectador, a impressão de que o presidente poderá mandar matar cidadãos, se quiser. No fim, o apresentador convoca os telespectadores a se revoltarem contra o governo.

Miguel Angel Rodrigues – “La Entrevista”

Volto à Globovisión. Agora, uma entrevista sobre política. Não me lembro do nome do programa ou dos nomes de entrevistadora e entrevistado. A apresentadora conversa com um especialista que afirma que a compra de cinco mil rifles russos por Chávez será usada para atirar nos cidadãos venezuelanos que saírem às ruas para protestar contra o governo.

A diferença, na Venezuela, é a de que, aqui, o governo reage. O canal 2 (da tevê aberta), tomado por Chávez da RCTV e transformado na tevê estatal TVes, dedica-se pouco a política. Costuma apresentar programas culturais, novelas, filmes, mas também retransmite eventos dos quais Chávez participa e, em todos esses eventos, ele revida contra os canais privados que o atacam. Mas a antiga tevê estatal Venezolana de Televisión, a “VTV”, não deixa barato.

Logotipo da VTV

O principal programa político da “Venezolana de Televisión” rebate, um a um, os ataques dos canais privados. Trata-se do “La hojilla” (a gilete), apresentado pelo impagável Mario Silva. Ele se dedica a debochar das teorias acusatórias e conspiratórias dos meios de comunicação privados, sobretudo dos ataques da Globovisión. Passa trechos dos programas onde o governo é atacado e vai dissecando cada palavra, cada gesto, cada expressão facial dos que atacam. Mario Silva é competentíssimo. Sua mis en scène é digna de um Jô Soares. Engraçado, inteligente, vai direto à jugular dos jornalistas e dos “medios”.

Mario Silva – “La hojilla”

Logotipo do “La Hojilla”

Dia desses, sobre uma foto que o jornal “El Universal” publicou de um governador de Estado aliado de Chávez junto com o tal obscuro empresário venezuelano envolvido naquele escândalo com a maleta de dólares, Mario Silva mostrou a foto original, que deixava ver que o veículo fez uma montagem. O “El Universal” pegou uma foto em que aparecem o governador, o empresário e várias pessoas e a reduziu, de forma que só aparecessem os dois. O jornal cortou as outras pessoas que estavam na foto, dando a impressão de que governador e empresário conversavam, mas, na foto original, pode-se ver que não estavam juntos. Um estava bem mais ao fundo do que o outro.

Há uma guerra de tevês na Venezuela. Alguns dirão que não é correto o governo usar uma tevê pública para rebater os ataques que recebe das tevês privadas, mas o fato é que, sem essa estratégia, a sociedade fica exposta a manipulações dos veículos que atuam de um dos lados, do lado privado, mas que são veículos que também atuam sob concessão do Estado. Com efeito, os canais de tevê venezuelanos são usados em favor dos grupos políticos que apóiam e que se opõem ao governo constitucional do país, um governo que acaba de ser reeleito por maioria esmagadora. Finalmente, há que dizer que a Venezuela pode ser tudo, menos uma ditadura que cerceia a liberdade de imprensa.
Escrito por Eduardo Guimarães dia 21/08/2007, no seu blog http://edu.guim.blog.uol.com.br/

Entendendo a Venezuela (6)

Venezuela é Brasil amanhã


Hoje me reuni com um cliente que me deixou perplexo e preocupado. Na Venezuela, depois das tratativas de negócios de praxe, o assunto Hugo Chávez é inevitável. Os clientes se põem a lamuriar por conta da centralização do câmbio, da “incerteza”, porque os negócios não estão bons etc., apesar de que as ruas estão apinhadas de carros novos, os hotéis estão lotados e os pedidos que estou tirando são maiores do que em outros países.

Mas o sujeito com quem conversei hoje demonstrou uma irracionalidade fora do comum. Depois de desfiar a cantilena costumeira, perguntei-lhe se não seria mais sensato os empresários deixarem a política de lado e trabalharem, como disse que faz aquele cliente que citei no primeiro post que publiquei durante esta viagem à Venezuela.

O sujeito ficou contrariado. Disse que não, que o caminho é o confronto, que “os povos só crescem com derramamento de sangue” (!?). Citou os povos europeus que guerrearam durante toda a história e atribui a essas guerras seu desenvolvimento.

Como uma guerra civil poderia ser boa para uma sociedade? Gente morrendo? Irmãos contra irmãos, trucidando uns aos outros, porque a minoria não quer acatar o desejo da maioria? E essa gente ainda fala de democracia... Essa parte da sociedade venezuelana não sabe o que é isso. É um sacrilégio usar essa palavra.

Não há caminho para dialogar com esses que não aceitam a decisão majoritária da nação. É exatamente o que acontece no Brasil. O argumento deles é o de que o resultado das eleições não é válido porque quem o gerou não foram os mais ricos e instruídos. É a mentalidade que vigia na aurora da República brasileira, quando o voto era censitário, ou seja, quando, para votar, era preciso ser homem, civil, ter um determinado grau de instrução e um determinado poder aquisitivo.

O pior é que o Brasil está indo exatamente pelo mesmo caminho que a Venezuela. No momento em que a maioria mais pobre passou a ignorar a opinião política da minoria mais rica, a primeira tornou-se incapaz de decidir sozinha, na visão da segunda.

Por enquanto, a minoria de classe média e média alta ainda fala da opinião da maioria de classe baixa com resignação. É como se dissesse : “Fazer o quê se os incultos e pobres são incapazes de alcançar nossa visão superior da realidade?”. Mas... Até quando? Quanto demorará para que comecem a dizer que terão que tomar alguma atitude drástica - como dar golpe de Estado - porque a maioria não sabe votar?

Quanto mais tempo fico na Venezuela, mais me preocupa a situação política do Brasil, vendo como é similar à situação do país em que estou. E mais preocupante ainda é que não se consegue dialogar com os meios de comunicação, peças fundamentais do processo de desagregação social que está tomando a América Latina. Alguém tem que conversar com os Marinho, os Frias, os Mesquita etc. Alguém que escutem. Mas quem?
Escrito por Eduardo Guimarães dia 20/08/2007, no seu blo http://edu.guim.blog.uol.com.br

Entendendo a Venezuela (5)

O segredo de Chávez

Finalmente voltei ao “meu mundo”, à realidade fantasiosa das classes médias latino-americanas, à realidade de gente que vive rodeada de miséria, de indignidade, de violência, de uma injustiça quase sobrenatural, de tão impressionante, mas que age como se nada do que a rodeia existisse. Agora estou em “meu mundo”, num shopping da “urbanización” de Chacao, o elegante “Sambil”. Estou sentado num cibercafé degustando uns acepipes, bebericando um vinho honesto, ouvindo uma balada americana que não identifico e dedilhando no computador uma das experiências mais profundas de minha vida.
Estou de volta ao Primeiro Mundo, mas, há cerca de uma hora, estava na América Latina, no bairro Libertador, no morro caraquenho Propatria, um morro como costumam ser os morros das cidades latino-americanas, isto é, apinhado de barracos precários e de casas semi-terminadas que espremem uns aos outros, reduzindo o que deveriam ser ruas a umas vielas absurdamente estreitas, sujas, com escadarias que parecem terminar no céu, cheias de emendas, rachaduras, buracos, cocô de cachorro (espero); com degraus sobrepostos de forma desigual, o que torna o ato de galgá-los um martírio para os menos atléticos como este que escreve.

Eu estava na casa de Henry, recepcionista do hotel em que estou hospedado, o único partidário assumido de Chávez que encontrei na Caracas baixa, no centro expandido da capital venezuelana, que fica aos pés da constelação de morros que envolvem a cidade. Estou de volta a uma parte da cidade em que é difícil encontrar chavistas assumidos, numa parte em que não vivem mais do que uns vinte por cento dos caraquenhos. Estou voltando dos morros, de onde estão uns oitenta por cento da população, onde difícil mesmo é encontrar aqueles que a ralé venezuelana chama de “esquálidos”, ou seja, os anti-chavistas.

Saí com Henry às sete da manhã, quando terminou seu turno na portaria do hotel. Ele não se sentia bem, estava resfriado por causa do ar-condicionado do lobby, pois o gerente deixou a refrigeração ajustada “no último” e ordens para o subordinado não diminuir a intensidade. Assim mesmo, com o estoicismo dos humildes, levou-me para conhecer seu mundo.
A viagem de metrô foi longa, porque um trecho do percurso, na direção da estação que leva o nome do morro onde meu guia vive (estação Propatria), está interditado. Assim, os passageiros que vão naquela direção precisam desembarcar do trem, tomar um ônibus e depois reingressarem no metrô duas estações depois.
Chegando à estação Propatria começa a parte difícil da viagem. Tem-se que tomar camionetas Toyota modelo “Land Cruiser” com pelo menos umas três décadas de fabricação, caindo aos pedaços. O pior é que essas camionetas têm os bancos dispostos de costas para as laterais do veículo. Nesses bancos, cabem (espremidas) umas cinco pessoas de cada lado. Conforme a camioneta começa a escalar o morro, os passageiros sentados ao lado daqueles que estão logo atrás dos bancos da frente têm que arcar com o peso dos outros sobre a lateral de seus corpos. A pior situação é a de quem senta perto das portas da traseira do veículo, por onde ingressam os passageiros, pois acabam sendo espremidos contra uma das portas pelas quatro pessoas sentadas ao lado. Isso sem falar que são veículos com janelinhas pequenas, geralmente com defeito (que não abrem) e o calor, no Caribe venezuelano, é de matar. Que claustrofobia, que suadouro!
Depois de uns quarenta minutos, chega-se ao fim da viagem. Há que subir as escadarias das vielas driblando as fezes caninas, os buracos e as rachaduras dos degraus com passos largos, pois são degraus altos demais. Para os idosos e crianças menores, deve ser uma tortura voltar para casa.

Quando cheguei à casa de Henry, tive três surpresas. A primeira, foi porque não tive um enfarto; a segunda, foi porque a porta da casa dava para o teto, onde me informaram que estava sendo construída a sala; e a terceira, foi porque estava sendo esperado por nove pessoas. Henry reuniu vizinhos para falarem comigo. Esperavam-me todos bem vestidos. As mulheres, discretamente pintadas, de vestido; os homens, com calça e camisa social. Fizeram fila para me cumprimentar, dizendo, cada um, seu nome. E havia, também, uma "parrillada" assando.
Depois das apresentações, enquanto comíamos, expliquei aos presentes o motivo de minha visita. Contei-lhes que estava havia quase uma semana na Venezuela e não encontrava quem se dissesse satisfeito com o governo do país e, sobretudo, quem me dissesse por que não estava satisfeito, pois nenhum dos insatisfeitos, até então, soubera expressar motivos particulares para sua insatisfação. Falavam de razões políticas ou ideológicas, mas nunca de alguma medida de Chávez que lhes tivesse piorado a vida.
As pessoas se entreolharam e se perguntaram quem falaria primeiro. Antes que alguém se dispusesse a começar, porém, pedi que me dissessem se algum entre eles era filiado a partido político. Negaram peremptoriamente. E disseram-me que eu poderia sair batendo de casa em casa e perguntando o mesmo a cada pessoa do “barrio” para ver se não obteria as mesmas respostas que me dessem. Perguntei se não havia antichavistas nos cerros. Confabularam.
-- ¿Quién es escuálido, acá?
-- Creo que Mercedes es...
-- Si, Mercedes... ¿Quiere que la llame, señor Guimaraes?
Recusei a oferta explicando que já tinha ouvido “esquálidos” demais. Aliás, vale explicar que “esquálidos” é a forma que o povo chama os anti-Chávez.

Os vizinhos de Henry me deram vários motivos, cada um, para apoiarem o que chamam de “O Processo”, a dita Revolução Bolivariana de Cháves, mas vou reproduzir apenas uma razão por pessoa, porque não consegui anotar tudo.
· Alvaro, 53, pedreiro, relata que é colombiano e vive na Venezuela há 30 anos e só depois que Chávez chegou ao poder conseguiu nacionalizar-se, a fim de obter direitos de cidadão venezuelano, tais como ter acesso a programas sociais, aposentadoria, atendimento médico etc. Relatou que, antes de Chávez, quando os partidos Copei e Acción Democrática se revezavam no poder, só quem pagasse conseguia nacionalizar-se. E custava caro.
· Gladys, 59, dona de casa, revelou que é cardíaca e precisa passar sempre por um médico, mas que antes de Chávez só havia cardiologista nos hospitais da cidade baixa, o deslocamento era difícil, as filas de espera demoravam meses. Agora, com as “misiones”, tem o módulo de médicos cubanos a 10 minutos de caminhada de sua casa e pode ser atendida sempre que necessário. E mostrou-me os vários módulos que podem ser vistos do teto da casa de Henry. São silos verdes de dois andares. Os médicos moram em cima e têm seus consultórios embaixo.
· Mariela, 36, caixa de supermercado, tem dois filhos, um de 12 anos e outro de 5. Antes de Chávez, não havia creches. Ela pagava uma vizinha para cuidar do filho mais velho. Hoje, esse garoto está numa das escolas bolivarianas, nas quais os alunos estudam das 8 às 16 horas, e deixa o filho de 5 anos numa creche do governo, na qual o menino tem atividades pré-escolares, alimentação e cuidados médicos, quando necessários.

· Lourdes, 67 anos, aposentada, estava cega pela catarata. O governo Chávez a enviou a Cuba com todas as despesas pagas. Foi operada, recebeu óculos e tem oftalmologista todos os meses para acompanhá-la.
· Maribel, 30, auxiliar de escritório, também é colombiana – há muitos colombianos vivendo na Venezuela. Vive no país desde os 11 anos. Não conseguia emprego porque não conseguia terminar o ensino médio. Como era estrangeira, não tinha direito a vaga em escola pública. Com o governo Chávez conseguiu a cidadania venezuelana e, assim, conseguiu voltar a estudar.
· Tomas, 44, tapeceiro, vive sozinho. Não tem tempo de cozinhar e não tinha dinheiro suficiente para almoçar fora. Hoje, utiliza as “casas alimentarias” do governo, restaurantes populares nos quais almoça de graça e ainda lhe dão um lanche para comer à noite.
· Ariel, 62 anos, aposentado, diz que hoje recebe sua aposentadoria em dia, depositada em sua conta bancária. Antes de Chávez, relata que seu benefício atrasava todos os meses e tinha que ficar em longas filas para recebê-lo.
· Catia, 28 anos, empregada doméstica, conta que a passagem de metrô não aumenta de preço há pelo menos uns três anos, apesar da inflação. E o salário mínimo, que está em 700 mil bolívares (mais ou menos 300 dólares), aumenta todo ano.
· Juan, 46 anos, é operário em uma fábrica de tubos e conexões. Conta que a empresa na qual trabalha costumava atrasar salários, não depositava corretamente os encargos sociais dos empregados, mas agora, com Chávez, a empresa que não depositar em dia as obrigações trabalhistas ou que atrasar salários não consegue dólares para importar matérias-primas ou qualquer outra coisa, graças à centralização do câmbio. Nunca mais o salário de Juan atrasou e os encargos sociais dos funcionários estão sempre em ordem.
Da varanda – ou do teto – da casa de Henry, tem-se uma visão de Caracas que, junto com os depoimentos dos habitantes da periferia, permite entender por que Chávez vem ganhando sucessivas eleições por margem tão expressiva. A Caracas da classe média é uma ilhota cercada de um mar de morros, com uma constelação de “viviendas” como a de meu anfitrião. Para cada caraquenho anti-Chávez deve haver uns três que são capazes de matar ou morrer por ele.
Mas fiquei intrigado com uma coisa. Não era possível que essa gente não tivesse queixas do governo. Disse-lhes que, apesar dos pesares, esses programas sociais que me citaram existem no Brasil. Talvez não tão efetivos ou abrangentes, mas o fato é que não constituem novidade a ponto de levar as pessoas a endeusarem assim o governo. A resposta que me deram foi a de que talvez no Brasil os programas chavistas não fossem novidade, mas na Venezuela, eram. Antes de Chávez, no tempo em que os partidos de direita Acción Democrática e Copei revezavam-se no poder, aquela gente toda só recebia uma coisa do Estado: desprezo.

Assim mesmo, não me satisfiz. Disse-lhes que, apesar de tudo o que me disseram, deveria haver críticas ao governo. Eles pensaram um pouco e o próprio Henry disse que tinha críticas. E todos foram unânimes em concordar com elas. Vamos às críticas de Henry.
· O governo Chávez obriga determinados servidores públicos a participarem de suas marchas contra as da oposição e da mídia.
· Alguns produtos tabelados costumam “desaparecer” e só podem ser comprados com ágio.
· Há reclamações das constantes convocações de redes nacionais de rádio e televisão que Chávez faz, pois são chatas.
São críticas contundentes, comentei com meus interlocutores. Perguntei-lhes se não achavam que, então, a oposição e a mídia tinham alguma razão nas críticas que fazem ao governo. O que me responderam foi que podem até ter alguma razão, mas outros governos tinham defeitos muito piores e não lhes davam nada. Eram totalmente abandonados pelo Estado. Disseram-me que o segredo de Chávez para ganhar o coração dos venezuelanos é o de lhes ter devolvido o que haviam perdido havia muito tempo, a esperança.


Escrito por Eduardo Guimarães dia 19/08/2007, no seu blog
http://edu.guim.blog.uol.com.br

Entendendo a Venezuela (4)

"Los cerros contestarán"


Viajei à Venezuela levando na bagagem mental uma pergunta que me permitiria entender por que o país se dividiu politicamente (em partes desiguais) de maneira tão visceral. A pergunta, fiz a pelo menos umas duas dezenas de pessoas, entre as quais as que já citei em textos anteriores, quais sejam, o motorista de táxi que me trouxe do aeroporto de Caracas ao hotel em que me hospedei, um engenheiro que conheci no vôo entre Caracas e Barquisimeto, um dos recepcionistas do hotel em que estou hospedado, o dono de uma banca de jornal em frente ao hotel, vários clientes, seus empregados e todos aqueles com os quais tive oportunidade de tocar num assunto (política) que apaixona, divide e, por vezes, enfurece os venezuelanos.

Trata-se de uma pergunta muito simples, mas, a despeito de sua simplicidade, até agora ninguém ma respondeu satisfatoriamente. Qual é essa pergunta? É a seguinte:

O que mudou em sua vida, para melhor ou para pior, depois que Chávez assumiu o poder?

Deveria ser simples responder a uma questão como essa. Quem apóia ou repudia um governo deve ter, na ponta da língua, os motivos para tanto. A despeito disso, só o que obtive foram evasivas e frases feitas. Isso se explica, talvez, pelo fato, que já relatei, de que, até ontem à noite, não havia conseguido localizar um único chavista convicto. Quem mais se aproximou de tal foi o diretor da primeira empresa que visitei na Venezuela, Alfredo, que, apesar de não ser chavista, de não ter votado por Chávez, não encampa a paranóia dos que repudiam o governo venezuelano e, sobretudo, seu titular.

Deram-me razões políticas para detestarem Chávez. Deram-me medo de que ele converta a Venezuela numa grande Cuba. Deram-me raiva da língua ferina do presidente. Pessoas que estão longe de ser elite, pois são de classe média baixa, deram-me, até, razões de seus patrões para não gostarem de Chávez. Imaginem que, na quarta-feira, visitei uma empresa na cidade de Valencia, a três horas de ônibus de Caracas. Depois da reunião, o gerente de compras daquela empresa me deu carona até o terminal rodoviário. No caminho, perguntei a ele sobre o governo, ouvi que o detestava e, então, perguntei se nem uma medida como a redução, de oito para seis horas diárias, da jornada de trabalho, o havia agradado, pois ele trabalharia menos ganhando o mesmo salário. O que ouvi? Preocupação do sujeito com o bolso de seu patrão, que é dono da única concessionária Mercedes Benz da cidade, e que, como constatei, ganha dinheiro a rodo.

Mas tudo mudou na noite de ontem.

Como lhes disse, pretendo aproveitar o fim de semana para localizar os que apóiam o governo Chávez. Pretendo ouvir essa parcela majoritária dos venezuelanos que elegeu, reelegeu, re-reelegeu e re-re-reelegeu o presidente Venezuelano nos últimos oito anos. E, como também já havia dito, fui informado, pelos anti-Chávez com quem venho conversando, que essas pessoas vivem nos morros que circundam Caracas. Aliás, segundo novas informações que obtive, pelo menos 80% dos caraquenhos vivem na miríade de morros que abraça a capital venezuelana. São morros como Petare, El Valle, 23 de enero, Catia e Pro-Patria, entre muitos outros.

Fui alertado – e comentei isso com vocês – de que é perigoso ir aos morros caraquenhos. Seria, mais ou menos, como um turista estrangeiro subir sozinho ao Complexo do Alemão, no Rio.

Nem Jesus Cristo seria capaz de me fazer – justo eu – vir à Venezuela e não ouvir o que tem a dizer o povo, o povo verdadeiro, aquele que vive na América Latina real, que sofre toda sorte de privações, humilhações, carências imensuráveis e que é tão cruelmente explorado e subjugado por uma elitezinha malvada, egoísta, arrogante. Contudo, é preocupante um estrangeiro, alguém que a nacionalidade diferente salta aos olhos, embrenhar-se em bairros pobres e violentos da periferia de uma grande cidade do Terceiro Mundo. Em vista disso, passei o dia de ontem preocupado em como fazer a minha “reportagem” de forma responsável, ou seja, com um mínimo de segurança.

A sorte me sorriu. Como sou alguém dado a um certo misticismo, acredito que, talvez, o destino queira que eu obtenha o que busco, a fim de levar ao nosso país informações que lhe são sonegadas por seus meios de comunicação, de forma que, num trabalho de formiginha, eu possa contribuir para a tão necessária integração latino-americana. O que aconteceu foi que, entabulando a mesma conversa sobre o governo com o recepcionista do hotel que faria o plantão na noite de ontem, achei o primeiro cidadão venezuelano que apóia o governo.

Henry é um homem de uns 45 anos, de olhar severo, tem pele escura, é calvo, usa um cavanhaque ralo, pesa uns 60 quilos e não mede mais do que 1,60 m. Quando lhe disse que, até aquele momento, não havia encontrado um só apoiador de Chávez, perguntou-me por que queria encontrar um. Expliquei-lhe sobre meu blog, sobre minhas convicções. Seus olhos brilharam. Perguntou-me, então, a que partes eu estava indo para não encontrar nenhum dos muitos que apóiam o que chamou de “o processo”. Ao saber da natureza de minha viagem ao seu país, disse-me o que eu já sabia, que os que aprovam o governo não seriam encontrados na cidade baixa, apesar de muitos deles trabalharem nela, pois é comum, neste país, que os patrões demitam chavistas que manifestam com freqüência suas convicções políticas. Assim sendo, muitos deles não assumem tais convicções.

O homem, apesar de não ser militante de partido político, mostrou-se impressionantemente politizado para um simples recepcionista de hotel. Fala bem, é objetivo e soube responder à pergunta que, até então, ninguém havia me respondido. Revelou que o que mudou em sua vida, por exemplo, é que ele, depois de passar décadas com os dentes apodrecendo, hoje ostenta uma saudável dentição porque uma das missões de Chávez disponibiliza à comunidade em que vive nada mais, nada menos do que oito dentistas. Exibiu, sorridente, sua dentição impecável enquanto me contava de como está, depois de uma vida inteira, finalmente conseguindo ampliar a casa em que vive com sua família, tudo graças a subvenções do governo federal.

Mas então, Henry, por que todas essas pessoas de classe média baixa, com as quais conversei, não estão satisfeitas? Diante de pergunta tão intrigante e relevante, Henry me propôs o que eu já ia lhe pedir:

-- Hagamos lo siguiente, señor Guimarães : ¿que le parece si lo invito a conocer mi barrio, a hablar con la gente y, después, lo invito a un almuerzo en mi casa? Ahí, vas a saber lo que pasa, por que algunos no valoran lo que hace el gobierno. Yo lo llevo a mi casa, lo conduzco a hablar con la gente, le presento amigos, parientes, lo llevo a una misión de Chávez y le voy a probar que millones de venezolanos matan o mueren por el sin pertenecer a ningún partido, solamente por gratitud por todo lo que el ha hecho por este pueblo, que esos que insultan al presidente nunca lo hicieran cuando gobernaran.

Perguntei a Henry sobre segurança. Ele me disse que falta de segurança há em toda parte, mas que ele não me deixaria só nem por um minuto e que morreria antes que deixasse me acontecer alguma coisa, ainda mais sendo eu alguém que se dispõe a misturar-se com sua gente para levar a um país “hermano” a verdade sobre a Venezuela.

Devo lhes dizer que fiquei emocionado. Com a voz embargada, com os olhos úmidos, aceitei a oferta. Amanhã, domingo, às sete da manhã, quando terminar o turno de Henry na portaria do hotel, tomaremos o metrô, depois o que ele disse ser um “jipe” coletivo e subiremos ao morro Pro-Patria, onde o recepcionista vive. E irei sem medo, pois estou obedecendo minha consciência, meus princípios cristãos, munido da melhor das intenções, impulsionado por este desejo ardente, que me consome, de contribuir, de fazer minha parte para que esta parte do mundo, um dia, torne-se menos desumana, menos injusta, mais civilizada.

O morro, o “cerro” Pro-Patria, pobre, carente, humilde, responderá à simples pergunta que trouxe à Venezuela e que nenhum dos “bem informados” e “esclarecidos” anti-chavistas soube responder.



Escrito por Eduardo Guimarães dia 18/08/2007, no seu blog http://edu.guim.blog.uol.com.br/

Entendendo a Venezuela (3)

O poder de Chávez

Imagine, primeiro, o presidente Lula no Congresso discursando em rede nacional de rádio e televisão. Ele está descontraído. Enquanto fala, faz gracejos com os presentes. Parece estar numa roda de amigos. Porém, trata de assunto muito sério: está propondo uma profunda reforma da Constituição. Entre as medidas anunciadas, sobressaem as seguintes
· Aumento em 1 ano do mandato dos presidentes da República.
· Possibilidade de os presidentes da República reelegerem-se quantas vezes conseguirem.
· Inscrição na Constituição de cláusula proibindo o latifúndio
· Inscrição na Constituição de cláusula que proíbe qualquer “autonomia” do Banco Central e determinando que os controles dessa instituição sobre a economia do país serão exercidos pelo Poder Executivo e por aquele Banco - conjuntamente.
· Redução da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais, ou de 8 para 6 horas diárias, sem absolutamente nenhum prejuízo para os salários dos trabalhadores.
· Criação de um fundo que amparará todos os trabalhadores autônomos - como taxistas ou empregadas domésticas - quando se aposentarem ou por invalidez ou por doença, independentemente de terem contribuído para a Previdência.
· Possibilidade de o governo central reformular a divisão territorial do país e criar territórios federais.

Agora imagine que, durante a cerimônia de propositura de dezenas de alterações profundas na Constituição, o presidente faça pausas para atacar seus opositores da imprensa e da oposição, chamando-os, por exemplo, de “golpistas” em rede nacional de rádio e tevê e recomendando a eles que, se se preocuparem com o que está anunciando, que tomem calmantes.

Depois de tudo isso, imagine que, nas ruas do país, nas estações de metrô, nos pontos de ônibus, em toda parte você veja o rosto sorridente do presidente da República com os olhos postos no infinito. E imagine, finalmente, que, além de convocar, quase toda semana, cadeias de rádio e tevê durante horas, o presidente tenha dois canais de tevê nos quais, em programas sobre política, as críticas da mídia e da oposição serão rebatidas uma a uma, e os donos dos meios de comunicação serão citados nominalmente e receberão de volta os insultos e acusações que tiverem feito ao governo e ao titular desse governo.

Se Lula fizesse uma só dessas coisas, seria derrubado no dia seguinte. No Brasil, o atual presidente da República agüenta insultos de toda sorte. Chamam-no de “cachaceiro”, de “ignorante”, de “corrupto” e até de “assassino” e ele nem sequer responde. Quando muito, limita-se a insinuações contra seus agressores da imprensa, da oposição e de movimentos de ricaços que se dizem “cansados” de seu governo.

Tudo o que relatei acima, é inconcebível que aconteça no Brasil, mas acontece na Venezuela. Diante disso, muitos dirão que estavam certos – e eu, errado – quando diziam – e quando continuam dizendo – que Chávez é um “ditador”. Eu, porém, continuo discordando. E pretendo demonstrar por que penso assim valendo-me de fatos incontestáveis, que relatarei mantendo a esperança de que acreditem em mim quando lhes garanto que estou relatando exatamente o que estou vendo aqui na Venezuela, pois pretendo oferecer-lhes uma visão correta da situação desta sociedade e do processo histórico que está ocorrendo aqui e que começa a se espalhar por toda América Latina, e que, daqui deste continente, talvez se espalhe pelo mundo – ou, melhor dizendo, pelo Terceiro Mundo.

Dizem que Chávez é “ditador” por conta dos poderes discricionários que acumulou e que exerce em sua plenitude. Mas não dizem como ou por que o presidente da Venezuela acumulou tais poderes. E não dizem que Chávez faz o que faz, mas seus inimigos não estão sendo acuados ou calados. Pelo contrário. Eles vão à tevê, às rádios, aos jornais e às ruas e o insultam de todas as formas. Alguns pregam abertamente o magnicídio (assassinato de chefes de Estado). Chamam-no de ladrão, de corrupto, de demente e de outras coisas impublicáveis. E ninguém vai preso, como iria numa ditadura. A mídia brasileira ou a venezuelana não contam nada disso, mas eu contarei.

Quantos será que sabem que os antecessores de Chávez levaram uma enorme maioria dos venezuelanos a um paroxismo de indignação por usarem a infindável riqueza petrolífera deste país para enriquecerem uma parcela amplamente minoritária da sociedade enquanto a maioria dos cidadãos deste país mergulhava numa pobreza imoral e era empurrada, por exemplo, para os morros que circundam Caracas, para vegetar em “viviendas” precárias, em “barrios” sem saneamento básico, sem escolas, sem hospitais, sem segurança, em suma, sem a menor dignidade?

O coronel Hugo Chávez, que antes havia tentado um golpe de Estado - para, segundo ele mesmo, reverter a situação de miséria de seu povo que descrevi acima -, fracassou naquele golpe e, por isso, ficou preso durante dois anos. Mas será que alguém sabe que ele saiu do cárcere porque os venezuelanos exigiram sua libertação em manifestações de rua, em protestos de todo tipo?

Chávez chegou ao poder nos ombros de uma maioria avassaladora dos venezuelanos. Inclusive nos ombros de boa parte dos cidadãos de classe média baixa que hoje estão contra ele. E isso porque a oposição e a mídia que hoje o acusam, antes de ele chegar ao poder governavam a Venezuela contra todos os interesses do país. Alguém sabe que o petróleo venezuelano era vendido subsidiado aos EUA? Alguém consegue explicar por que um país com tanta pobreza vendia sua riqueza maior ao país mais rico do mundo abaixo dos preços internacionais e a mídia não dizia um A?

Não sei se muitos, aí no Brasil, sabem como foi que Chávez acumulou tanto poder. Então vou explicar como foi.

Depois da tentativa de golpe de Estado de 2002, sobreveio uma greve de trabalhadores da PDVSA (estatal de petróleo da Venezuela) que paralisou a economia de um país, até então, totalmente dependente do petróleo. O PIB chegou a cair cerca de 10% em um ano. Os sindicatos dos trabalhadores da PDVSA que se aliaram à oposição, ao empresariado e à mídia e que controlavam os trabalhadores da estatal venezuelana de petróleo tiveram seu poder esvaziado. Chávez, no decorrer de 2003, foi substituindo os empregados da PDVSA até que expurgou da empresa todos os vinculados aos seus opositores. No ano seguinte, ainda fragilizado, tendo que conviver com grandes marchas de oposicionistas e com a incitação contra ele por parte dos meios de comunicação, submeteu-se ao que queriam opositores que, dois anos antes, o haviam seqüestrado e anunciado que ele tinha “renunciado”; submeteu-se a um “referendo revogatório”, ou seja, os venezuelanos foram chamados às urnas para dizerem se queriam que o presidente do país continuasse no cargo ou não. Em agosto de 2004, o referendo aconteceu, como queriam a oposição, a mídia, o empresariado e considerável parte da sociedade. Sob pedidos de seus opositores, os mais importantes países do mundo, organizações não-governamentais, enfim, toda sorte de governos e instituições enviaram observadores para atestarem – ou não – a lisura do pleito que decidiria se o presidente da Venezuela seria mantido no cargo pela vontade popular. Chávez venceu por maioria esmagadora e todos aqueles observadores atestaram que venceu de forma limpa.

Apesar de todas as exigências dos opositores de Chávez terem sido atendidas, eles não aceitaram o resultado do referendo. Passaram a acusar uma fraude eleitoral que ninguém viu, da qual não havia o menor indício. Para que se tenha uma idéia, até o governo norte-americano, inimigo visceral de Chávez, reconheceu sua vitória. Contudo, a oposição, a mídia e os setores amplos – porém minoritários – da sociedade que queriam defenestrar o presidente, permaneceram irredutíveis.

No ano seguinte (2005), haveria eleições parlamentares. Os opositores de Chávez, então, viram aí a possibilidade de criarem um impasse institucional. Recusaram-se a participar da eleição de representantes no Congresso na esperança de que a votação não conseguisse o número mínimo de votos para validar-se. Ocorreu o inverso. Os partidos que apoiavam Chávez conseguiram o comparecimento necessário para que a eleição de congressistas vingasse, de maneira que a Assembléia Nacional foi quase que totalmente formada por chavistas, o que conferiu ao presidente venezuelano o poder que ele tem atualmente.

Discordo de uma situação na qual um presidente acumula tal poder. Atualmente, Chávez tem atendido seu povo, por mais que digam que não. Ele, por exemplo, estatizou a empresa de eletricidade “Eletricidad de Caracas”, que era privada como a empresa “Eletricidad de Valencia”, e, agora, os venezuelanos da Capital Federal pagam muito menos pela energia elétrica. Foi estatizada a empresa de telecomunicações Cantv, e os venezuelanos estão pagando menos pela telefonia. Foram criadas “Misiones”, postos do governo que provêem saúde, educação aos venezuelanos pobres como nunca tinham recebido. Uma das “Misiones”, a “Misión Robinson”, em dois anos conseguiu pôr fim ao analfabetismo na Venezuela e a Unesco, da ONU, atestou que isso de fato ocorreu. O salário mínimo foi elevado a cerca de 300 dólares... Contudo, se Chávez – ou algum sucessor seu – usar mal o poder que o governo central está acumulando, ninguém terá como fazer frente a eventuais desmandos.

Mas o que levou os venezuelanos a entregarem tanto poder a Chávez se não o fato de que ele os beneficiou como nenhum de seus antecessores havia jamais feito? Além disso, que ninguém se esqueça – ou deixe de saber – que as reformas propostas por ele à Constituição terão que ser aprovadas por um referendo popular. Repito: tudo o que Chávez propôs ao Congresso na quarta-feira passada, terá que ser aprovado pelos venezuelanos nas urnas.

Enquanto o poder de Chávez aumenta a cada dia, no entanto, seus opositores, a exemplo dos opositores de Lula no Brasil, continuam apostando em velhas fórmulas que fracassaram miseravelmente e que só fazem aumentar o poder (já enorme) do presidente da Venezuela e o apoio (irredutível) do presidente do Brasil. E por que? Porque esses opositores continuam mentindo e distorcendo os fatos compulsivamente. Continuam esbofeteando a maioria do povo, chamando-o de ignorante e inculto por votar como uma parte minoritária da sociedade não quer, e continuam contando mentiras escandalosamente evidentes, como se todos fossem retardados.

O poder de Chávez não pára de crescer, e o que induz esse crescimento, além da dedicação integral do presidente aos interesses da maioria eternamente oprimida dos venezuelanos, é a arrogância de setores daquela sociedade que sempre se beneficiaram da exclusão dos mais pobres e agora não se dispõem, de maneira alguma, a abaixarem um pouco suas cristas e a negociarem os anéis para preservarem os dedos. O poder de Chávez não pára de crescer porque seus inimigos tratam de adubá-lo diariamente, com o desvelo com que um jardineiro cuida de seu jardim.

Os morros de Caracas

Estou há quase uma semana na Venezuela e ainda não consegui localizar um só chavista convicto. Esse fenômeno, no entanto, me foi explicado pelos anti-Chávez que tenho encontrado. Eles dizem que os chavistas estão no interior e nas periferias. No caso de Caracas, nos morros que circundam a cidade.

Vale dizer que Caracas tem uns quatro milhões de habitantes, sendo que pouco mais de um terço vive na “cidade baixa” e o resto vive nos morros.

No fim de semana que se apresenta, pretendo ir a esses morros ouvir a versão dos chavistas. No entanto, tenho sido alertado por todos com quem falo (clientes, taxistas, recepcionistas do hotel etc) de que fazê-lo será “extremamente perigoso”. Dizem-me que os morros estão cheios de “bandidos” e “delinqüentes” que atacam pessoas de minha classe social para roubar ou até por pura “raiva”.

Subir aos morros de Caracas, à pobreza, é perigoso? Sim, talvez seja. O problema é que se essa parte mais privilegiada da sociedade caraquenha não subir aos morros de Caracas, os morros de Caracas descerão até ela. Assim sendo, subirei até os pobres desta cidade para escutar o que têm a dizer. Sinto-me na obrigação de fazê-lo, a despeito dos eventuais riscos.
Escrito por Eduardo Guimarães no dia 17/08/2007, no seu blog http://edu.guim.blog.uol.com.br/

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Entendendo a Venezuela (2)

Entender a Venezuela

Escrevo depois de já estar há alguns dias na Venezuela. Nos últimos dias, comecei a formar uma visão menos maniqueísta da realidade complicada que vige neste país. É essa visão que procurarei transmitir a vocês, na tentativa de fazer as pessoas em nosso país entenderem que apoiadores e críticos do governo de Hugo Chávez deveriam adotar uma cautela incomensuravelmente maior em relação ao que a intolerância e a total ausência de bom senso vêm produzindo na sociedade com a qual estou tendo contato.

Fazia alguns anos que não vinha à Venezuela. Não conhecia o novo prédio do aeroporto Simon Bolívar – Marquetia, destinado aos vôos internacionais. Moderno, amplo, já mostra ao visitante que chega ao país que a Venezuela atravessa um momento de expressivo incremento de sua economia. O dinheiro, na Venezuela, está literalmente jorrando, junto com o petróleo que brota do chão em abundância e permite aos venezuelanos encherem o tanque de seus carros com 2 ou 3 dólares, dependendo do tamanho do veículo.

Apesar do endurecimento das leis que o governo Chávez vem promovendo, não encontrei maiores dificuldades na imigração ou na alfândega. Os procedimentos e regras são iguais aos de qualquer outro país.

Comecei minhas investigações sobre o ânimo político do povo venezuelano já no táxi que me conduziu do aeroporto até a região de Chacao, no centro de Caracas. O veículo era um Chevrolet Impala com dois anos de uso. Um carro luxuoso, espaçoso e, por certo, caro. Faz, no máximo, uns 6 quilômetros por litro de gasolina, mas, na Venezuela, o consumo de combustível não faz diferença.

Como vocês devem ter previsto, mal a viagem de táxi começou e eu já puxei assunto com o motorista sobre política. Ele se chama Giovanni e tem 52 anos. É branco, loiro, baixinho e com um bigodinho meio cômico. Porém, mostrou-se muito simpático. E, perguntado sobre política, desandou a falar.

Para minha surpresa, um motorista de táxi, alguém que está longe de ser rico, da “elite”, mostrou um ódio a Chávez que poucas vezes vi. Disse, só para começar, que o único jeito de tirá-lo do poder será assassinando-o. Aliás, essa “solução” mostrar-se-ia cada vez mais popular entre a expressiva maioria dos venezuelanos com os quais falei sobre política nos três primeiros dias de minha viagem.

Giovanni, o motorista de táxi, revelou-me o que eu encontraria pela frente. Disse que pelo menos uns 90% dos venezuelanos pensam como ele. Perguntado por mim sobre como seria possível isso, haja vista em que Chávez acaba de ser reeleito por esmagadora maioria, argumentou, primeiro, que a última eleição, bem como todas as outras que o presidente vem ganhando há anos, foram fraudadas. As urnas eletrônicas seriam manipuladas pelo governo, pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral), que seria controlado por Chávez. Argumentei, então, que centenas de observadores internacionais avalizaram a lisura dessas eleições. Giovanni, visivelmente contrariado e até surpreso por ouvir alguém com “pinta” de homem de negócios “defender” o odiado “índio” Chávez, disse-me que o poder do presidente é muito grande por causa do petróleo e, por isso, ele cooptou os tais observadores. Perguntei, então, sobre o fato de que até os EUA reconheceram a vitória de Chávez. O sujeito ficou meio sem saber o que dizer e achei melhor não acuá-lo, pois estava ficando muito nervoso.

Perguntei, então, sobre a tentativa de golpe de Estado de 2002, se ele havia participado das manifestações contra o governo e se continua participando. Ele disse que sim. Ele, sua família, amigos etc. Mas garantiu-me que não houve golpe algum. Que, como a população havia se levantado contra Chávez, ele decidiu renunciar – ou fingir que renunciaria – para simular, depois, que teria havido tentativa de golpe e se fazer de “vítima”. Perguntei por que o documento que Chávez teria assinado renunciando não tinha sido mostrado na tevê. O homem voltou a se enervar e decidi parar de novo.

Antes de terminar a viagem, ainda tentei saber de Giovanni que prejuízo tão grande o governo Chávez lhe tinha acarretado para ter tanta raiva dele. O taxista havia me contado, antes de abordarmos o assunto política, que vem trocando de carro a cada dois anos, comprando sempre um carro zero, e que a gasolina, os derivados de petróleo em geral estão cada vez mais baratos e que, na Venezuela, ser taxista é um bom negócio por causa dos preços dos combustíveis. Então não resisti e insisti: por que você odeia tanto Chávez?

O taxista começou a desfiar um rosário de razões que nada tinham que ver com ele mesmo. Falou da centralização do câmbio, das estatizações das companhias de eletricidade, de telefonia e até do teleférico moderníssimo que liga Caracas ao alto de um dos morros que circundam a cidade, que foi construído por uma empresa francesa - provavelmente a mesma que administra o teleférico de Quito, no Equador. E também explicou que teme o socialismo do século XXI que Chávez diz que implantará na Venezuela, ou seja, teme perder sua casa, seu carro, os poucos bens que amealhou numa vida inteira de trabalho. Em suma: teme que a rica Venezuela se transforme numa Cuba.

Gastei todo esse espaço com o taxista Giovanni porque o discurso, as razões dele para se opor tão ferrenhamente a Chávez, para participar de manifestações que sempre trazem risco de terminarem em violência e morte, eu ouviria coisas iguais de um engenheiro, de um recepcionista de hotel, do dono de uma banca de jornal, de uns três clientes meus e acho que continuarei ouvindo o mesmo de todas as pessoas da “cidade baixa”, que, por menos que tenham, têm o que perder se a Venezuela adotar o socialismo cubano, abolindo a propriedade privada.

A Venezuela, porém, esta sendo claramente bem administrada. O país tornou-se um enorme canteiro de obras públicas, a economia está “bombando” de uma forma impressionante, a construção civil, a agricultura, uma indústria mais sofisticada – como a de meu segmento, autopeças - está florescendo devido a proteções alfandegárias que estão sendo impostas num claro processo de substituição de importações... Só para ficar no meu segmento, já se fabrica aqui tambores de freio, filtros de ar e muito mais. Está surgindo um país algo industrializado no lugar daquele que sempre viveu do petróleo.

Entender a Venezuela, então, começou a se tornar mais difícil. Por que a classe média – alta e baixa – odeia tanto Chávez? Esse dilema perdurou até que, ontem, eu visitasse um cliente da cidade de Barquisimeto, a uma hora de avião de Caracas.

O motorista da empresa me esperava no aeroporto. Fomos conversando. O rapaz, José Morales, contou-me que não se mete em política. Que não entende bem o que está acontecendo no país e que prefere não dar palpite. Só disse que está feliz porque conseguiu trabalho há três anos e que é isso o que lhe importa, e que deixa a política para quem “gosta”.

A surpresa viria de onde eu menos poderia esperar. O diretor comercial da empresa que fui visitar é um negro alto, de 37 anos. Alfredo. Simpático, inteligente, bem vestido. Sua sala, muito bem montada, com frigobar, televisão e com móveis de escritório de diretor mesmo. Mesa de tampo de granito, computador com um gigantesco monitor de cristal líquido, quadros, tapetes...

Serviram-me café, água e tratamos de negócios. Quase caí da cadeira quando o sujeito me apresentou sua proposta de importação dos produtos que comercializo. O tamanho do pedido que estaria disposto a fazer se eu aceitasse seus termos (preço, prazo de pagamento etc.) era alto até mesmo para os parâmetros de negócios no Brasil. Claro que as exigências não são fáceis de atender, mas elas se devem ao poder de compra da empresa. Assim sendo, fiquei de responder a proposta posteriormente. Fui, então, convidado a conhecer a empresa. Os estoques aéreos (sistema paletizado), os galpões forrados de mercadorias até os tetos - que ficavam, pelo menos, a uns quinze metros de altura. Empilhadeiras. Caminhões de entrega. Funcionários e mais funcionários, todos uniformizados...

Fomos almoçar, depois de uma manhã inteira trabalhando duro. No restaurante, pensei duas vezes antes de abordar o assunto política. Afinal, além de correr o risco de me tornar antipático para alguém com quem estava tentando fazer negócio, que mais eu poderia esperar de um executivo de uma empresa como aquela se não que reproduzisse o discurso do taxista?

Enganei-me. Muito. Expus ao executivo Alfredo minha incompreensão sobre por que uma sociedade que está enriquecendo e se desenvolvendo odeia tanto aquele que está promovendo esse sucesso todo. Meu interlocutor assumiu um ar meio confidencial. Ele, bem como o presidente e toda diretoria da empresa acreditam cada vez mais na Venezuela, tanto que essa empresa vai investir mais de dois milhões de dólares até o fim deste ano. Não existe o menor medo de “cubanização “ do país. Então, Alfredo me explicou por que outras empresas, a classe dirigente que está ganhando dinheiro como nunca, incita o medo da classe média baixa, arrastando-a às ruas e apoiando o golpismo da mídia e da oposição.


“Esta empresa, Eduardo, trabalha estritamente dentro da lei. Veja que não teremos dificuldade nenhuma de importar de vocês ou seja lá de quem for. Com centralização do câmbio e tudo mais. Pagamos nossos impostos rigorosamente em dia, pagamos corretamente os direitos trabalhistas de nossos funcionários e lhes damos os benefícios trabalhistas que o governo exige. Então, não temos problemas. Agora, empresas que estavam acostumadas a poupar para si dinheiro de impostos, a prejudicar seus empregados, a mandar dinheiro para fora do país, essas estão com problemas. Para nós, não haverá ‘cubanização’ alguma. Haverá o que há nos EUA, na Alemanha, na Inglaterra... Teremos, todos, que trabalhar dentro da lei ou o Estado nos quebrará”

Alfredo contou-me que não votou na última eleição presidencial porque estava fora do país, mas, se votasse, não votaria em Chávez, porque, com ou sem ele, o caminho de progresso da Venezuela tornou-se irreversível – graças a Chávez. Assim, sem Chávez no poder, talvez sobrevenha uma pacificação da Venezuela, ainda que tema a reação das classes baixas, aqueles que pessoas que vêm à Venezuela tratar de negócios dificilmente vêem, pois estão nos morros que circundam Caracas, por exemplo, trabalhando nas “misiones” chavistas, enfim, são aqueles que nada têm a perder com ou sem “cubanização”.

Segundo Alfredo, a resposta à minha dúvida sobre por que uma classe média que está sendo beneficiada economicamente se atira com tanta fúria contra o indutor desses benefícios, é a de que essas pessoas têm medo. Tudo se resume a medo do desconhecido. Medo por parte de empresas que só cresceram às custas da sonegação, da corrupção e da exploração dos empregados. Medo de não conseguirem se manter sem esses “instrumentos”. E medo da famigerada “cubanização “, de mesmo pessoas que só tem uma casinha e um carrinho perderem o pouco que têm. Por isso, quem apóia Chávez são aqueles que nada têm a perder. Esses não têm medo de nada além de continuarem como ainda estão, apesar de estarem melhorando devagarzinho

Ainda tenho uma semana aqui na Venezuela, a partir de amanhã. Quero saber mais. Quero falar, também, com os satisfeitos. Só terei que ir aos morros. Mas penso que já entendi o que está acontecendo na Venezuela. Espero que tenha sido claro o suficiente para vocês entenderem também.

Volto assim que for possível, que agora tenho que defender meu ganha-pão.



Escrito por Eduardo Guimarães no dia 15/08/2007, no seu blog
http://edu.guim.blog.uol.com.br